Café Bagdad

À conquista das palavras...

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Location: sintra, Portugal

I was born in Mozambique. I'm Portuguese, but my heart is half Portuguese, half African. I'm still thinking that one day we can change the world.

Tuesday, February 28, 2006

Tenho família de todas as cores - Maputo 3

Ainda bem que nunca fui racista!... Se fosse, que lição a vida me teria dado...

Ainda não tinha falado deste assunto, pois é, de longe, o mais delicado.

Nasci numa família progressista, onde a cor, religião ou estatuto social eram completamente ignorados. Com os meus 6 anos, era frequente atrasar-me para o almoço, no regresso da escola. Só os primeiros atrasos foram assustadores - encontraram-me empoleirada num caixote, a discursar a favor da independência, clamando contra a exploração do homem pelo homem, muito empolgada. Aplaudida pelos miúdos da rua - mais graúdos que miúdos ...

A minha irmã tinha como amigas as miúdas mais "in", filhas de fulano de tal. Invariavelmente, as minhas amizades circulavam num patamar social muito rasteirinho, o que me dava uma riqueza de conhecimentos que a minha irmã ainda hoje desconhece.

Fomos crescendo, os nossos caminhos a abrirem um V, cada vez mais largo, hoje, as diferenças são inultrapassáveis.

Ao longo dos anos, continuei sempre a criar laços de amizade com pessoas, sem lhes pedir o B.I.
Ainda bem que o meu percurso não se "endireitou" com a idade.

Neste Café Bagdad, a minha prima Ana Paula e eu, somos as protagonistas do nosso filme. Abençoada viagem ao Maputo, que me permitiu abraçar família cuja existência desconhecia - e receberam-nos todos tão bem, que ando eufórica por ter uma família tão grande. De todas as cores, de diferentes religiões.

Esta viagem permitiu-me cumprir um sonho - fazer da minha vida um Café Bagdad.

Tivoli sempre - Maputo 2

Um lembrete aos que queiram visitar a minha linda terra.

O Hotel Tivoli Maputo é uma opção inteligente - remodelado recentemente, situado mesmo no coração da baixa, a dois passos do cais que nos permite apanhar o barco para ir para a Ilha da Catembe. Perto das lojas, da Fortaleza, enfim, pode-se passear à noite, ali à volta, pois é rodeado de luzes e movimento. É limpo, confortável, e o pessoal é realmente muito simpático. No Bar Cajú come-se divinamente, pois o Cozinheiro é, de facto, um Chef. A comida é bem condimentada, criativa, saborosa, nada parecida com a típica cozinha de hotel.

Dirigido pela mão do "mestre" Gomes de Sousa, muito estimado pelo pessoal, considerado muito bom e humano. Que alívio, sabermos que não estávamos a encher os bolsos a um tiranete!...

A suite que ocupámos era espaçosa, bem mobilada, moderna - não teríamos ficado melhor num hotel mais sonante.

O motorista, Sr. Salomão, assim que nos recebeu no aeroporto, fez-nos logo sentir em casa. Na recepção, aqueles sorrisos de chocolate, a aquecer o coração. Até os seguranças eram sorridentes - que estranho, não é?

Este post destina-se sobretudo às pessoas que procuram um bom hotel, e, muitas vezes, vão para hotéis caríssimos, com receio de surpresas desagradáveis.

Vão para o Tivoli, onde todo o mundo sorri!!!

Friday, February 24, 2006

A lição do ardina - Maputo 4

Já de malas prontas para o regresso, vimos passar o ardina que vende ali, junto ao Tivoli, e pensámos que tínhamos de comprar um jornal moçambicano para trazer para Portugal.

Pagámos com uma nota grande, à falta de trocos, ele desapreceeu, correndo, para ir buscar o troco.

O meu marido e eu entreolhámo-nos, sorridentes, e eu comentei "... olha, queres ver que nunca nos assaltaram, e foi preciso estar de partida para sermos enganados?...".

Pois é, ser pobre não significa ser desonesto, nós é que nos habituámos tanto a uma certa forma de ver as coisas que, ainda que bem intencionados, há sempre uma ruindade que a vida que levamos nos vai inculcando...
Não é que passados uns dez minutos o ardina voltou com o troco?!?... Viu que estávamos de saída, à porta do hotel, podia pensar, e muito logicamente, que nunca mais voltávamos... não, preferiu vir, afogueado, com as notas na mão.

Que lição de vida, que bofetada de luva branca!...

O nosso espanto, muito europeu, era tão grande, que, depois de lhe agradecer o gesto e retribuir com algum dinheiro (merecido), me esqueci de lhe perguntar o nome. Mas ficou-nos gravado na memória. Quando voltar, vou perguntar por aquele ardina tão especial.

Foi exactamente o oposto do que me aconteceu algumas vezes, aqui, em que, por lapso, dei dois euros aos portageiros como sendo um, e nunca me deram o troco... E não comparemos as condições de vida destas duas profissões...

Aproveito para dizer que em Moçambique existe uma liberdade de imprensa incrível, pois o jornal que tenho guardado, fala "preto no branco" de desvios de dinheiro, com nomes de pessoas e instituições, e outros assuntos escaldantes. Da primeira à última página, "é sempre a abrir". Acabo de regressar e, perante as perspectivas que vejo das limitações à nossa liberdade de imprensa, fico a pensar em como o nosso modelo ocidental não é tão exemplar assim...

Thursday, February 23, 2006

De volta da terra - Maputo 1

Aqui, no Café Bagdad, à conquista das palavras... nunca a frase foi tão adequada - não há palavras que descrevam a emoção do reencontro com a minha terra.

Uma parte do meu coração ficou lá, disso não restam dúvidas.

Os amigos dizem que eu só sou europeia por fora, porque, por dentro, sou bem africana. Tanto tempo passou, e parecia ter sido ontem, não estranhei nada, estava, de novo, em casa.

A cidade continua linda de morrer, geometricamente desenhada - vamos esquecer as partes negativas que ainda subsistem, que são: recolha do lixo, buracos nas ruas e passeios e degradação de alguns prédios.

Não encontrei a mendicidade que era tão apregoada. Mas faz doer o coração não poder comprar todo o artesanato que nos propõem, essa é a parte que mais dói. Saber que a sobrevivência daquelas pessoas depende da nossa vontade de trazer lembranças, é um peso muito grande para uma consciência limpa.

Uma semana não foi suficiente para ver tudo, apenas para ter a certeza que os pontos comuns entre os dois povos são bastante mais numerosos do que pensamos aqui. Desenganem-se os que pensam que estamos noutro mundo - estamos noutro ritmo, nada mais.

Portugal não dá a atenção devida a esta ex-colónia. Entretanto, os aviões vão meio cheios de italianos e espanhóis... E nós aqui, com tantos jovens licenciados, que, certamente, não desprezariam uma experiência moçambicana, se a mesma fosse devidamente estruturada. E Moçambique precisa e agradeceria, com certeza. Em vez de se darem subsídios à toa, não seria bem mais útil abrir os horizontes à nossa juventude, contratando-a para ajudarem ao desenvolvimento de uma terra que fala a nossa língua? E que é uma terra com futuro.

Confesso que não percebo os porquês políticos de tanta comissão, quando os resultados práticos são sempre tão fraquinhos (justificação de tachos?).

Vou publicar aqui mais algumas impressões sobre esta viagem, sobretudo para ajudar os indecisos - tenho de convencê-los a ir lá.

Friday, February 03, 2006

Vou à terra - ou como matar a Saudade

Vou à terra!!!

A minha terra é a terra dos pequeninos, porque apenas agora começou a crescer, e consegue guardar uma certa pureza e ingenuidade. É mágica, linda, exótica, e onde ainda se pode viver a um ritmo muito em que nada é medido pela produtividade, stress, competitividade...

A terra chega a ser vermelha, meio cerâmica, meio sangue, coberta pelo verde luxuriante de uma flora ímpar. O céu consegue presentear-nos com postais ilustrados, ao nascer ou ao pôr do sol. O mar forma uma aguarela verde azulada, espraiando-se em dunas de areia, de cortar a respiração...

Ah! Os cheiros!... Em sítio nenhum se consegue sentir aquele cheiro a terra molhada, só na minha terra. E os perfumes das flores a desabrochar nos passeios que ladeiam as ruas e avenidas, é um espectáculo de olhos fechados, destinado a narinas ávidas.

Mas...melhor que tudo, mesmo tudo, são os doces sorrisos de chocolate com leite que acolhem os forasteiros, sem mágoa nem rancor por tempos de servidão.

"Vou à terra" no dia 08 deste mês, ao fim de quase 32 anos de ausência. Fecho os olhos e treino os trajectos da minha infância, não quero enganar-me quando lá chegar. Vou de coração aberto, quase à aventura... Vou conhecer a família mestiça que me descobriu agora. Aguenta, coração, vai ser só emoção!...

Enquanto me preparo para matar a Saudade, começo a trautear a canção - "Moçambique, que palavra tão bonita, fique lá onde ela fique, diga lá quem a disser...