Café Bagdad

À conquista das palavras...

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Location: sintra, Portugal

I was born in Mozambique. I'm Portuguese, but my heart is half Portuguese, half African. I'm still thinking that one day we can change the world.

Wednesday, October 11, 2006

Adoptámos uma família

A adopção é o maior acto de amor que qualquer ser humano pode viver, sentir, exprimir.

De tão complicado que é, assusta quase sempre. Porque o comum dos mortais vive num mundo de medos, foge de tudo o que não é vulgar.

Nós, na nossa casa, não somos assim. Somos um bocadinho mais abertos, se calhar, eu sei lá...

Foi durante as férias, no Egipto, que aconteceu um "coup de foudre" entre as nossas duas famílias. F e M casaram e têm a mais adorável das bebés, Jenna. Fadoua é marroquina, Malik é argelino, as duas famílias continuam a opor-se a uma união em que o amor ditou as regras, e nem sequer aceitam a neta.

Cruzámo-nos na praia, estávamos a banhar-nos naquele Mar Vermelho quente e acolhedor, pensávamos que eram portugueses. Ele respondeu-nos que era porque eles eles os verdadeiros mouros, nós, os falsos mouros. Desatámos todos a rir. Saímos da água quase duas horas mais tarde, depois de discutirmos política, racismo, chauvinismo, futebol, parece que nos conhecíamos.

A Carolina foi a primeira a apaixonar-se pela pequenina, que lhe deu os braços, assim que a mãe a trouxe para junto de nós, ainda na água. Daí em diante, todos rodeávamos a nossa pequenina - sim, passou a ser nossa - e era só mimos e colo.

Os pais nem queriam acreditar - a família não quer conhecer a bebé; em Paris, onde vivem, ninguém pára para um segundo olhar, e ali, em Hurghada, uma família portuguesa apaparicava a sua menina!...

Dali para a frente, assim que chegavam aos restaurantes, à praia, ao lobby, por todo o lado, procuravam-nos de imediato. Estavam a viver uma experiência única, que era ver a filhota deles ser amada e mimada. Ambos são muçulmanos, educados na tradição do amor à família, e não aceitam que as famílias se oponham à união deles. Fazem questão de se assumir muçulmanos europeus, modernos, arejados, abertos.

Separámo-nos a chorar, abraçadas, a Fadoua ainda sente muito a falta da mãe, não se habituou à ideia de que nunca vão aceitar a sua nova família.

A história começa aqui, de facto, pois, já em Paris, telefonaram-nos a pedir para sermos a família que não têm. Babada, ouvi o Malik contar que tinha dito à irmã que talvez eu viesse a ser a avó que a filha precisava.

Ainda bem que existe o messenger, pois agora comunicamos, vemo-nos, falamos, atiramos beijinhos, tudo coisas que há um mês atrás eu julgaria impossível.

Pois é, adoptámos uma família, ignorando as barreiras da língua e da religião. A Jenna, que já é tratada de Fofinha pelos pais, assim que nos vê na webcam, começa logo a fazer boquinhas, a imitar beijos. Está linda, com uma carinha redonda, parece o nosso Menino Jesus.

Patetas, assim que a vemos, fazemos "OOOOhhhhhhhh", a mãe põe-lhe chapéus, mais "Ohs", babados, verdadeiramente como sendo já uma só família.

No fim do mês, o Malik continua a trabalhar em Paris, mas elas vêm visitar-nos, faz de conta que vão à terra. Em Paris, todas as pessoas acham isto estranho, mas os portugueses a quem o Malik conta o nosso encontro, acham perfeitamente natural, dizem-lhe logo que nós, portugueses, gostamos muito de crianças.

Para além desta história de amor, porque é disso que se trata, pergunto a mim mesma se, na realidade, não estaremos a ser pioneiros numa nova forma de estar na vida e de criar laços, raízes. O Malik pede-nos para ensinarmos português à filha, que crescerá ansiosa pelas férias "na terra".

Se pelo mundo fora todos fossem aceitando outras culturas desta maneira, não seria muito mais fácil atingirmos um nível de vida mais harmonioso? É que a adopção foi recíproca, dois mundos diferentes que decidiram entrecruzar-se, sem nada exigir do outro lado. Estamos a escrever um capítulo da nossa história.

Adoptámos uma família - estamos mais ricos!