Logo a seguir ao pequeno almoço, mobilizei o meu marido para começarmos o Natal. Lá fomos decorar o pinheiro que temos no jardim. Ele sempre a achar esta minha fantasia um poucochinho infantil para a minha idade, que eu aindo sinto ser a das ilusões.
Enquanto escolhia os enfeites, regressei à minha infância, essa, sim , a idade das ilusões. A maior parte delas, não se concretizará nunca, mas tem valido a pena pelas que se transformam em realidade.
Quando era pequenita, acreditava que o Natal era mais meu que das outras pessoas. Porque nasci a 24 de Dezembro, o dia mais lindo do ano, aquele em que ainda suspiramos pelas prendas que hão-de vir, ou não. O dia 25 é o repouso, o 24 é a paixão ao rubro, a verdadeira febre do Natal, que desaparece com os papéis amarrotados e os laçarotes desfeitos.
A minha avó convencia-me que a árvore era minha, as bolas eram minhas, o dia era meu. E eu acreditava, queria acreditar... a minha irmã fazia sempre uma enorme festa de aniversário em Novembro, muitos convidados, muita alegria, prendas, familiares e amigos a entrar e sair, denfim, um rodopio.
Quatro semanas depois, chegava o Natal, que era festa para toda a gente, poucos se lembravam de mim, na melhor das hipóteses, uma visita-relâmpago e um presente para mim, outro para a minha irmã, para ela era sempre a bisar, de Novembro a Dezembro. Ainda hoje, penso que a minha avó tentou compensar-me, criando em mim a fantasia do "meu " Natal. Para que eu não me sentisse tão só e esquecida.
A avózinha ia para a baixa, às compras, cometia as maiores loucuras, perdia-se por completo com as bolas de Natal. No regresso da escola, lá estava ela, para me dar aquelas "prendas", coloridas, brilhantes e quebradiças. Para a minha árvore de Natal, dizia sempre, com ar persuasivo.
Mas o mais importante do Natal é a partilha, foi com ela que aprendi isso, e ainda continuo a gostar de comprar para encher os outros de alegria. Nesta quadra, a tendência é dar prendas por obrigação social - não seria melhor se instituíssemos o Natal como forma de vida, não esquecendo nunca os mais desfavorecidos, os refugiados de guerra, dando amor e solidariedade durante doze mes por ano?!?...
Pois é, pensei nisso tudo enquanto fazíamos a nossa árvore de Natal. Já que não pode ser todo o ano, oferecemos aos vizinhos uns minutos diferentes, sobretudo quando vão para a paragem de autocarro, mesmo aqui em frente.
A intenção é que, ao pararem, se interroguem "porquê tão cedo?" e nos seus corações surja a única resposta possível "porque tem de ser Natal todo o ano". Que tentem ser mais simpáticos com aqueles com quem se cruzam, mais solidários e prestáveis no trabalho, nos transportes,enfim, por todo o lado. Só uma mudança de atitude ajudará a melhorar o mundo.
Já é Natal, toca a melhorar!.. Ou isto não passará tudo de uma farsa em que nos permitimos ser bonzinhos durante uns dias, para aliviar as consciências pesadíssimas de todos os erros voluntariamente cometidos ao longo do ano.
Fico cheia de esperança que a nossa árvore de Natal ajude à reflexão e mobilização para um mundo cada vez mais bonito e bom, para todos. Que este Natal todos se esforcem por melhorar a vida dos outros, distribuind sorrisos, amor, simpatia, carinho, sem esquecer de pressionar o poder político - só será o meu Natal quando não houver guerra e fome.
Foi para esse Natal que a avózinha me preparou, generosa como era. Será que vou morrer sem ter vivido o meu Natal, aquele, o verdadeiro, de que ela me falava, como se um dia fosse acontecer?...
Dedico este Natal à minha filha. Quando ela acordar e levantar a persiana, vai ficar radiante, ao ver a árvore. Ela e a geração dela têm de conseguir aquilo que eu não fui capaz - um Natal para todos.