Café Bagdad

À conquista das palavras...

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Location: sintra, Portugal

I was born in Mozambique. I'm Portuguese, but my heart is half Portuguese, half African. I'm still thinking that one day we can change the world.

Friday, November 26, 2004

A morte de Arafat - E o meu Pai Natal é Muçulmano...

A morte de Arafat – E o meu Pai Natal é Muçulmano...

Eu sei que o título parece ser polémico, mas não é.

Ninguém pode ficar indiferente à vida e à morte de Yasser Arafat. Ídolo para muitos, monstro para outros tantos, Arafat percorreu , tortuosamente, um caminho cheio de obstáculos, mas... estava na terra dele. Não fez uma guerra para ir ocupar a terra dos outros, apenas agarrou nas armas que conseguiu para lutar contra os ocupantes da sua própria terra. Lamentavelmente, exigimos que o mundo árabe se comporte como nós, quando os valores básicos por que nos regemos são opostos – o nosso amor à vida é tão grande como o culto deles pela morte - enquanto não percebermos isso, a guerra continuará.

Veremos, pois, se a sua sucessão não vai criar problemas no xadrez político internacional. A sede de poder, os lobbies, enfim, tudo irá ser orquestrado para que eles fiquem mal no quadro, certamente. Quanto pior , melhor - não é a máxima dos donos do mundo?

Arafat morreu antes do Natal, essa festa que o mundo árabe não ignora, ainda que não lhe diga respeito. Tenho uma amiga muçulmana, daquelas que reza cinco vezes por dia, que nunca deixa de mimar a minha família com presentes nesta quadra. Como o mundo seria mais bonito se todas as culturas se entrelaçassem desta maneira...

Há quase 26 anos, em Antibes, estava eu a celebrar o Natal com muita alegria, quando tocaram à campainha da minha porta, perto da meia-noite. Quando abri a porta, fiquei boquiaberta a olhar para um jovem árabe, sorridente, com as mãos atrás das costas – é incrível como uma pessoa que se sente e vive com determinados valores, apesar das suas convicções, não deixa de se sentir “ameaçada” quando a “diferença” lhe bate à porta ... odeio reconhecê-lo, mas sou suficientemente honesta para fazer “mea culpa”.

Disse-me que morava no prédio que fazia um “L” com o meu, e podia ver, através do vidro da sala, que dava para a varanda, a animação da nossa festa – só mulheres e crianças. Que tinha estado a apreciar a nossa alegria, as nossas danças com os mais pequeninos, e que, por isso, resolvera ir levar-nos uma garrafa de champanhe.

O medo e a desconfiança deram lugar a um desconforto indescritível – tinha medo de uma pessoa que tinha um gesto de uma simpatia inexcedível. Convidei-o a entrar, mas recusou, argumentando que tinha convidados em casa, para festejar o Natal, apesar de ser muçulmano. Só lá tinha ido par nos oferecer uma garrafa de champanhe, e desejar-nos um Bom Natal. Despediu-se à primeira badalada , já a abrir o elevador, levando um dedo aos lábios, e sussurrando “é meia-noite”.

Passado algum tempo, fomos à varanda gritar-lhe “Feliz Natal”, com os mais pequenos a atirar-lhe beijinhos. Por ironia, os dois miúdos mais velhos eram filhos de um alemão bastante “ariano”, que tinha combatido os árabes na Argélia. Ainda hoje me parece estranho tudo o que se passou naquela noite.

Dali para a frente, cada vez que ia à varanda e o via, gritava-lhe “Bonjour Papa Noel”. Nunca soube o seu nome. Contaram-me que era um árabe, filho de um milionário do petróleo que estava a estudar na Faculdade de Nice, conhecido pela sua simpatia e pelas festas constantes que oferecia. A casa dele estava sempre cheia.

Tenho remorsos de nunca lhe ter dito o meu nome. De não lhe ter perguntado o nome para lhe escrever pelo Natal. De não me ter despedido. Guardo a rolha da garrafa de champanhe, como uma prova de que o Pai Natal existe – sempre que o nosso coração quer.

Todos os anos, pelo Natal, conto esta história a alguém. O mais bizarro é que dois dias antes, tinha discutido com uns colegas a existência do Pai Natal. Todos diziam que não, apenas eu tinha insistido que sim, enfim, mais uma batalha perdida – já estou tão habituada ... quando encontro muita concordância, penso que estou errada... Depois das festas, pavoneei-me, na minha certeza de que tinha razão. Afinal, ganhara a discussão.

A morte de Arafat, faz-me reviver esta história sob outra perspectiva – o que será feito do meu Pai Natal? Andará a gastar o dinheiro em armas, empenhado na guerra do seu Povo? Não sei porquê, imagino-o mais a negociar diplomaticamente a Paz. Seja como for, para mim, será sempre o meu Pai Natal.










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